“Quero fazer o que eu quero, quando eu quero e do jeito que eu quero”. Isso é liberdade? Pense novamente.
Analise, de fato, a frase acima – muito empregada pelas pessoas quando pensam em liberdade. Ela não demonstra a qualidade de um ser “livre” e sim de um ser onipotente, como Deus que tudo pode, tudo sabe e está em tudo. Fazer o que quero (desejo ilimitado), quando eu quero (tempo ilimitado) e do jeito que eu quero (potência ilimitada) não são características de um ser livre e sim de um ser onipotente.
Mas ser livre não é ser capaz de tudo fazer? Não seria a liberdade um sinônimo de onipotência? Não. Seres onipotentes estão deslocados de um fator fundamental para a liberdade: a escolha. Seres livres são seres que escolhem, seres onipotentes não. Embora isso possa soar estranho o raciocínio é simples: seres onipotentes não precisam de escolhas, como eles “tudo podem”, eles simplesmente não precisam optar entre uma coisa e outra, eles simplesmente fazem, caso desejem outra coisa eles fazem porque são onipotentes e ilimitados.
Uma outra consequência acompanha seres que tudo podem. Esta consequência é, inclusive, um tema interessante dentro da filosofia e da mitologia. Ocorre que se o ser tudo pode, ele não precisa escolher, na verdade ele é “incapaz” de escolha quando esta vem acompanhada da noção de consequência. Se o ser tudo pode ele dominaria a escolha assim como a consequência da escolha, porém se isso ocorre não é uma escolha de fato, mas sim uma criação, uma determinação.
“Os deuses não escolhem, agem”. Por outro lado, estão presos à isso. Existem histórias na mitologia sobre a inveja dos deuses em relação aos humanos. A “inveja dos deuses” é a de que nós não sabemos do futuro, não sabemos o que vai ocorrer e, por isso, fazemos escolhas e mais tarde morremos. A ideia de que a vida é uma só e que tudo é momentâneo, que cada momento tem uma beleza específica é a inveja dos deuses, pois eles, pelo fato de tudo poderem, podem sentir todos os momentos em todos os momentos. Nós não e isso é algo que os deuses não tem.
Embora possa parecer paradoxal ao Ocidental padrão, quando você se dota de onipotência, você se abstém da escolha e, por este motivo, está distante, também da liberdade. Esta é a compreensão maior sobre a inveja dos deuses: os seres humanos são livres, os deuses não. A escolha é a essência da liberdade e não o poder ou o desejo. Ser livre é ser um ser de escolhas. Isso é diferente de ser um ser de desejos. A escolha pode estar motivada por um desejo, porém também pode estar motivada por uma razão ou uma situação e, mesmo assim, continua sendo uma escolha.
A liberdade, então, tem como base a escolha e esta tem como base o limite. Seres limitados precisam de escolhas justamente por não poderem fazer tudo o que querem, quando e como querem. A liberdade é uma característica do limite. O fato de que você não pode fazer tudo o que quer é justamente o fato que o torna livre e essa percepção vai na completa contramão do pensamento cotidiano do Ocidental.
Ser livre é fazer escolhas o que não significa nada em relação às consequências das escolhas (elas acontecerem ou não) e às motivações das escolhas (por desejo, por emoção, por razão ou situação). Alguns autores também compreendem que absorver as consequências da escolha que se faz é parte do atributo do “livre”, ou seja, seria livre aquele que além de escolher vivesse as consequências de suas escolhas. Para que eu concorde com tal colocação teríamos que falar em níveis de consequência: posso escolher casar e estar muito feliz com isso, à caminho do meu jantar romântico onde irei pedir minha futura esposa eu morro. Como não vivi o casamento não fui livre para escolher? Creio que não, a pessoa foi livre, escolheu e viveu a consequência de ter sentido uma emoção forte, por exemplo. Se isso for considerado como um “nível” (por falta de expressão melhor) concordo com o adendo.
Para finalizar esta reflexão me é importante porque, ao entender a liberdade como a capacidade de ser limitado e de, por este motivo, ter que fazer escolhas, compreendo mais sobre a minha ação no mundo e da amplitude doo meu poder neste mundo. Também relaxo mais sobre a liberdade que tenho e passo a perceber até onde é possível “ser livre”, ou seja, até onde me é possível escolher? Reflexão aguda que não abarca apenas o termo de quantidade, integra, também, a noção de qualidade: qual a qualidade da liberdade que tenho? Ela se reflete apenas no quanto consigo fazer alterações no mundo ou ela também se aplica a elementos sutis que afetam o meu ser e estar no mundo?
E, para você, o que é ser livre?
Abraço