• 25 de dezembro de 2015

    Ideal e real

    – Mas porque ele não faz isso?
    – Porque ele não quer!
    – Mas meu!! Não dá para acreditar, é a melhor coisa para fazer!
    – Eu até concordo com você, mas mesmo assim é a escolha dele.
    – Ele é muito burro. Muito rígido nas opiniões dele.
    – Sei.
    – Sabe, não consegue enxergar que se ele visse o que eu vejo, seria bem melhor.
    Não, este não é a reclamação de um pai sobre seu filho, mas sim de uma namorada sobre seu namorado. Como podemos, de fato, saber o que é melhor para alguém?

    Honestamente, enquanto psicólogo, eu não sei responder esta pergunta. Na verdade, não sei se é possível sabermos o que vai ser ou não melhor. O motivo que me faz compreender isso é que nunca sabemos o que o futuro trará. O que temos, na melhor das hipóteses, são nossas experiências e nossas teorias sobre a vida, nossos “ideais”. Percebo que todos hoje estão cheio de ideais, repletos de uma sabedoria sobre como o mundo deveria ser, mesmo quando nunca fizeram nada no mundo.

    Uma imagem que me chamou atenção foi a de pessoas normais passando por uma logo do facebook e se tornando juízes. Percebi como uma readaptação do filme “The Wall” onde as crianças entravam numa máquina da escola e saiam todas com a mesma cara. Esta percepção de que “eu tenho direito à opinião” e a onipotência desta opinião que é a ideologia cultural atual se combinam para desembocar numa gigantesca rede de juízes que sabem o que é melhor para o mundo.

    É interessante pensar que o jovem urbano, cosmopolita, que acredito no aborto, feminismo e é ateu percebe que sabe o que é melhor para os outros (e para o mundo) da mesma maneira que o terrorista jihadista, machista e bairrista. O que tem acontecido? Guerra. E ao contrário do que pensamos não é a intolerância que tem causado as guerras, mas sim a tolerância.

    Como assim? Bem, pelo menos aquilo que chamamos de tolerância. A verdade é que somos intolerantes disfarçados de tolerantes. O professor Leandro Karnal numa fala revela a sociedade atual como mais fechada do que a dos anos 50. Embora ele esteja falando sobre religião, a base que sustenta a avaliação dele também permeia o mundo das relações sociais.

    Como hoje em dia a opinião não é um direito, mas sim um dever, todos temos que ter opiniões. Porém uma opinião só é interessante se for verdadeira. Então temos uma sociedade de pessoas que precisam que suas opiniões sejam verdades, existe, também, uma “estética da opinião”, ou seja, determinadas palavras, frases e sequências de frases assumem imediatamente o valor de uma opinião válida ou não válida, independente do conteúdo.

    No mundo das relações que é o que eu vivo no consultório o que eu vejo é esta estética da opinião sendo elevada e pessoas julgando o mundo e os outros com base nas suas opiniões. Embora isso tenha existido sempre a diferença é que hoje o número de pessoas e a capacidade que elas tem de influenciar outras com suas opiniões é muito maior e mais forte. Em outras palavras o que quero dizer é que há um fortalecimento da imaturidade quando vivemos mais no mundo das ideias de “como o mundo deve ser” e menos na realidade de “como ele é”.

    Isso não significa que não devemos ter ideais e lutar por eles, mas sim que o fato de o mundo não estar de acordo com uma estética criada no mundo das ideias não quero dizer que o mesmo esteja errado. Por incrível que pareça o que tenho presenciado é o emprego de táticas intolerantes no discurso da tolerância, o emprego de uma estrutura ditatorial em prol da liberdade de expressão. Pelo fato de que a expressão precisa ser expressa (com o perdão da cacofonia) de uma determinada forma senão não será considerada expressão.

    Nesses tempos líquidos modernos é interessante pensar que uma outra característica do líquido é que ele se mistura com outros líquidos e que a cor pode nos dar a impressão de um sabor diferente do que o líquido realmente tem. Então, para encerrar fica a pergunta, simples e forte: como você vive, no seu dia a dia, a diferença que acha que faz para mundo? Ou fica só no discurso?

    Abraço

     

     

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