– Daí eu fiquei me sentindo meio mal.
– Mal como?
– Não sei… como se eu estivesse manipulando a situação.
– Mas você está.
– Ai Akim.
– Ora, você sabe que ele não tem culpa, sabe que você exagerou, vê ele culpado e, ao invés de dizer para ele se acalmar se cala e aproveita a dor dele? Como não dizer que está manipulando?
– É verdade…
O sentimento de culpa em nossa cultura tem uma força muito forte. Um dos usos mais comuns da culpa é como moeda de troca emocional. Este sistema, porém, apenas desvaloriza as pessoas e seus vínculos.
O grande problema com a culpa em nossa sociedade é que acreditamos que é possível “expiá-la”. Em outras palavras isso significa que cremos ser possível acabar com a culpa, aplacá-la e nos livrarmos dela. Essa tolice é o que faz possível a culpa se tornar uma ardilosa ferramenta de manipulação onde muitas vezes nem o manipulador sabe o que está fazendo.
Não é possível expiar uma culpa. Após um ato ter sido cometido ele foi cometido. A dor e o sofrimento gerados não podem ser apagados. O que se pode fazer é aprender com o que aconteceu, nesta atitude é que reside o engrandecimento. Ao assumir a culpa e fazer algo com ela é que a pessoa aprende. O ato errado não precisa ser extirpado, nem perdoado. O principal é assumir e dizer “sinto muito”.
A busca pelo perdão faz as pessoas fracas e torna a vítima responsável pelo ato de outra pessoa. Pense: além de ter sofrido ainda tenho que ter forças para perdoar. Uma vez perdoado, o carrasco não tem mais problemas. Ele foi perdoado, pode voltar ao convívio. É importante deixar a vítima com sua própria dor e nada mais, isso já é suficiente. Aquele que comete o ato é quem deve dizer que sente pelo que fez e assumir sozinho a responsabilidade pela mudança, isso sim é evolução.
Porém, quando permitimos que a culpa se torne uma dinâmica na qual um dos lados tem poder, ela se torna moeda. Assim sendo, eu que sofri, tenho mais poder que você que cometeu o ato. Esse poder eu posso usar como quiser. Já vi casais em que um dos conjugues sente-se mais poderoso que o outro por ter sido traído. A traição do outro lhe outorga fazer o que quiser com o parceiro. Isso é errado.
O poder da culpa está em se identificar com o papel de culpado e, portanto, de devedor. Se alguém deve, precisa existir um credor. O problema está no fato de muitas pessoas acharem que devem algo a alguém: seus pais, antepassados ou até mesmo Deus. Essa percepção as coloca como vítimas fáceis de pessoas que desejam colocar sua culpa em terceiros para se sentirem mais poderosas.
Este poder, obviamente, é falso porque surge da corrupção da relação. O outro não se torna mais um igual, mas sim um servo. Ele deve obediência ao seu senhor, pois cometeu um erro para com ele. Este erro será cobrado o resto da vida. Apenas pessoas fracas (ou muito espertas) se aproveitam deste tipo de poder. Ele também corrompe aquele que dá a culpa, pelo fato de não o tornar um senhor de fato, mas sim circunstancial. Ele não se relaciona com o outro porque deseja o contato, mas sim porque pode algo sobre ele.
Livrar-se disso é abrir mão do poder. Porém, isso significa adentrar nas relações com iguais. Muitas pessoas não sabem como fazer isso ou temem fazer isso. Esse dilema só pode ser vencido quando ela se fortalece internamente à ponto de conseguir olhar alguém, abrir-se e sentir que é capaz de se sustentar, mesmo que esse outro a magoe.
Abraço