• 17 de dezembro de 2021

    Olhar para o passado: tristeza e saudades

    – Eu sinto muito falta dele.

    – Eu sei.

    – Mas não era para ser assim.

    – Porque não?

    – Ah, porque não era mais o que eu queria, não estava feliz na relação!

    – Sim, mas era uma relação, você teve sonhos e por pior que estivesse, gostou dele.

    – Mas e daí… essa saudade que eu sinto… o que eu faço com ela?

    – O que você tem feito?

    – Fico brigando comigo… não sei se volto ou não volto… pela saudades eu volto, mas pelo passado não.

    – Você volta pelo medo que tem da saudade e não por ela.

    – Medo?

    – É… porque você não pode, simplesmente, ficar com a lembrança do que passou?

    – Não sei ao certo.

     

    O fim de uma relação em geral traz tristeza consigo. Não há como negar o vínculo que foi criado. Por pior que a relação fosse, ainda assim, dois seres humanos se vincularam. Porém lidar com sentimentos como a tristeza e a saudade pode ser um desafio para muitas pessoas que desejam terminar e se manter assim.

    Tristeza é uma emoção sentida ao perder-se algo. Em uma relação, nem sempre fica claro o que se “perdeu”.  Mesmo quando uma relação está ruim, existe a perda, pelo fato de que havia vínculo. Muitas vezes idealizamos as pessoas através de detalhes difíceis de perceber. . Traços como “força” ou “delicadeza” podem servir como base para que se crie a imagem de uma pessoa “protetora” ou “cuidadora”. Ao fim da relação esta projeção também se rompe e nem sempre é fácil lidar com isso. Sempre existe o fim de um sonho, afinal todos imaginamos como será a relação a longo prazo.

    Saudades é o sentimento que advém da perda. A saudade é ligada às memórias boas daquilo que tivemos com outra pessoa. Lembra-se daquilo que foi bom e sentimos saudades. Principalmente no começo do fim, pode ser algo difícil de lidar. Ela está baseada em vivências reais, ou seja, experiências e acaba sendo mais concreta e fácil de detectar do que a tristeza. A saudade é conviver com a ausência e pessoas que lidam bem com esta emoção tendem a ter em si elementos daquilo que se foi e tratam isso como algo pessoal.

    O que mais vejo em consultório são duas reações: a negação dessas emoções ou a fuga das sensações que elas provocam. Esta segunda é tanto perniciosa para a pessoa e para a relação. Em geral, pessoas que tem problemas em terminar e manter o término acabam voltando com o conjugue ou tendo pequenas aventuras (“remembers”). Em ambos os casos o desejo é o mesmo: terminar com a dor que a saudade e a tristeza trazem. Porém ao fazer isso, terminam confusos e não conseguem “resolver” nenhuma das duas emoções.

    Ocorre que a dor sentida ao fim de uma relação é natural. O mesmo vale com a saudade. A deturpação da emoção ocorre quando se interpreta que pelo fato de doer é necessário voltar. Isso não resolve a tristeza e nem a saudade. Esta última existe justamente para sinalizar o fim. Sentimos saudades quando aquilo que havia não está mais diante de nós. Quando dizemos “matar a saudades”, a expressão é adequada, pois ao ter novamente a pessoa “matamos” a saudade, ela não tem mais função. Ela apenas existe para mostrar o vazio. Logo, de forma geral, é mais adequado suportar a dor da saudade, pois esta é a sua função.

    A noção de “voltar” por causa da saudade é estranha. As pessoas esperam “voltar” para uma história diferente. Porém, não é possível disso ocorrer. É como ler o mesmo livro duas vezes seguidas e esperar um final diferente. “Voltar” como o nome já diz é ir para a mesma história novamente. Mesma história, mesmo fim. O começo pode até ser interessante, visto que se está “matando a saudade”, isso traz alívio e prazer, porém, não cria estrutura – que foi o motivo da relação terminar. Com isso é necessário primeiro terminar uma história, gerar e suportar distância. Caso crie-se uma nova paixão, então é possível ir para uma nova relação com aquela pessoa.

    Por fim, não se questionam as decisões tomadas por causa da dor da saudade e da tristeza. Essa dor faz parte do fim, logo é inadequado buscar tirá-las de cena. Suportar e compreender são as maneiras mais úteis para lidar com elas. É para isso que elas servem, não para serem retiradas de cena pela sua natureza incômoda. O incômodo sentido é justamente a força motriz da mudança, sem ela não há a possibilidade de novas relações.

    Abraço

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