• 10 de agosto de 2020

    A difícil honestidade

    – Isso não faz sentido nenhum Akim.

    – E ainda assim, é isso que está acontecendo.

    – Mas, porque eu vou querer fazer algo contra eu mesmo?

    – Não sei, me diga você.

    – Eu não quero.

    – Não sei se você “quer” ou não, sei que é o que acontece.

    – Eu não posso aceitar isso.

    – É difícil?

    – Sim né? Pense: eu faço algo que me prejudica, como vou aceitar isso?

    – Sendo honesto consigo mesmo. Não sei o que motiva isso, porém, sei que isso precisa ser visto. Ao negar, você não verá. É difícil ver, concordo, mas ainda assim, é aí onde poderemos encontrar algo verdadeiramente útil.

    – Eu entendo você, mas é muito difícil aceitar isso.

     

    Tendemos a achar que somos seres racionais. Nessa lógica, sempre buscamos o melhor para nós em todas as situações. Excluímos emoções, conflitos e desejos deste “ser racional” e a única coisa que conseguimos com isso é um monte de confusão em nossas cabeças. A honestidade consigo nos faz olhar para aquilo que negamos, nem sempre fácil, porém sempre rico.

    Ser honesto significa agir sobre aquilo que existe. A honestidade não fabrica uma verdade, apenas anuncia aquilo que já está ali. Isso é um problema para nós, seres humanos. O problema é que para nos compreendermos precisamos criar histórias em nossa mente, ou seja, criamos uma ideia de “quem somos”. Não importa se você se acha uma pessoa ótima ou a pior pessoas do mundo, tudo isso são conceitos em sua mente, ideias que você usa para justificar e explicar a sua experiência nesse mundo.

    O problema é que essas ideias, geralmente empobrecem a pessoas que somos. Começamos a nos tratar pelas ideias e não pela experiência. Assim, aquilo que penso que sou se torna mais importante do que aquilo que experimento sobre eu mesmo. Ocorre sempre: a pessoa chega ao consultório e me diz que achava que ela “era de um jeito”, mas que sentiu-se de outro. A experiência é muito mais ampla que nossas vagas ideias, logo, ela nos apresenta para algo que não conseguirmos conceber sobre nós e o mundo.

    A atitude “honesta”, olha para isso. Ela vê a experiência tal como está acontecendo e não para as ideias que temos sobre o que deveria acontecer. Porém esta honestidade conflita com a nossa percepção de eu. A história que nos contamos diz: não pode ser assim! A honestidade diz: eu entendo, mas veja: é assim. Diante desse conflito é que reside a difícil escolha entre assumir aquilo que penso sobre o mundo ou assumir a experiência que estou tendo do mundo, mesmo que ela contradiga minhas ideias.

    Esta é a difícil escolha da honestidade consigo: abrir-se para ver aquilo que difere da história que conto sobre eu mesmo. Estar aberto à minha experiência do mundo, ao invés de minhas ideias sobre o mundo. Ela é difícil porque envolve uma atitude consciente de aceitar que nossa visão do mundo e de nós mesmos, por “melhor” que seja, é, ainda assim, limitada e incompleta. Assim sendo perdemos valor enquanto criadores da verdade e ocupamos um lugar “mais humilde” sobre nossa própria concepção de quem somos.

    A perda do controle rígido sobre o que somos e o que o mundo é, de outro lado, nos abre para muitos eventos cuja importância em nossa vida é muito maior do que nossa limitada percepção. Isso ocorre o tempo todo em terapia, as pessoas chegam com uma visão de si e saem com outra muito diferente. Perderam uma história e saíram com outra mais completa. Nem sempre aquilo que dizemos querer é o que realmente precisamos e ser honesto conosco nos abre para a possibilidade de ver isso.

    Abraço

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