• 7 de setembro de 2020

    Você quer ser melhor que seus pais?

    – E como é que eu vou fazer isso?

    – Não sei. O que você imagina?

    – Eu não consigo entender isso. É como se fosse impossível.

    – Bem, talvez de fato seja, afinal de contas: como você vai se comparar à sua mãe?

    – Eu posso ver pelos feitos dela.

    – Mas e será que você na época em que ela nasceu, naquelas condições teria feito o mesmo que você hoje?

    – Pois é… é difícil saber…

    – Também acredito nisso. E se você pudesse deixar de lado essa necessidade em ser melhor que ela, o que aconteceria?

    – Eu tenho medo só de pensar.

     

    O desejo de ser melhor que os pais é algo antigo em nossa cultura. Porém, este mesmo desejo já causou grandes brigas e desentendimentos, levando as pessoas à ações dolorosas e completamente desnecessárias. Porém, este mesmo impulso pode encobrir algo muito mais belo e profundo: o amor.

    Temos 3 opções em relação à nossos pais: sermos melhores, piores ou iguais. Ou então, podemos olhar adiante e ser quem somos, deixando nossos pais serem quem são. Podemos ter nossas conquistas e infortúnios e deixá-los ter suas conquistas e infortúnios. Então algo interessante ocorre: posso olhar meus pais como meus pais e me ver como seu filho. Sem a necessidade de provar quem sou, visto que, para eles e para esta relação, eu já sou alguém. Este é o problema: o lugar já é nosso, mas nem sempre nos damos conta disso, queremos, ainda, “provar” alguma coisa.

    A tentativa de provar algo aos pais, também está relacionada ao desejo de “não lhes dever nada”. Muitos de nós assumem aquilo que os pais nos dão como uma dívida a ser paga. O esforço nesta tentativa sempre se mostra inútil e, muitas pessoas, afim de lidar com esta frustração criam, então uma nova “meta”: ser melhor que os pais. Assim sendo, os pais se tornam credores e competidores e deixam de ser pais. É óbvio que muitos pais se colocam nesta posição, assumindo papéis que também não lhes cabem.

    É interessante notar, contudo, que por detrás dessas dinâmicas reside o profundo desejo de conexão dos filhos e dos pais. O desejo de pertencer à uma família, ter seu lugar lá (no caso dos filhos) e de sentir-se digno de dar o lugar (no caso dos pais), faz com que as mais belas relações possam se transformar em campos de batalha. Estas, porém, nunca se concluem e nunca se determina um vencedor, afinal de contas, ambos os lados sempre perdem neste tipo de dinâmica.

    O que fazer então? Abrir mão da arrogância parece ser o primeiro passo, mas na verdade o passo mais profundo é quando percebemos o afeto que temos por nossa família. Este sim, capaz de nos revelar que o nosso lugar já existe. Tomar posse deste lugar tal como somos – e não como gostaríamos de ser – é o que, de fato, nos ajuda a compreender que não é necessária nenhuma prova para fazer parte, apenas fazemos. A descendência que temos é sempre de nossos pais, assim sendo, mesmo que eles não nos reconheçam, o nosso lugar está lá.

    Se for possível ver o desejo de fazer parte da família, também será possível deixar a arrogância de lado. Pois é na percepção deste amor que encontramos uma maneira nova de fazer parte. Ao invés de “provarmos” algo ou de querer nos abster de uma dívida, simplesmente nos é possível tomar o lugar que é nosso em mãos e sentir a força que é fazer parte de uma família. Esta não se dá por mérito em realizações, mas sim, por mérito em entregar-se à vida tal como ela é.

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