– Eu não acho que é possível!
– O que torna impossível trabalhar e ter lazer?
– Não sei… parecem duas ideias opostas na minha cabeça.
– Você consegue imaginar pessoas felizes com sua vida profissional? Que ao mesmo tempo que trabalham também tem lazer?
– Sim, tenho colegas no trabalho que são assim, na mesa do lado da minha!
– Então você sabe que é possível, mas não consegue ver isso para você, certo?
– Sim.
– De que maneira você faz para pensar o seu trabalho?
– Ah… eu acho que tenho que me matar de trabalhar entende?
– Sim, talvez como sua mãe lhe disse que tinha que ser?
– É… e ela fazia isso mesmo…
– E quantos anos você tinha quando começou a ouvir isso?
– Uns seis ou sete.
Muitos adultos odeiam trabalhar. Porém, o correto seria dizer que muitas crianças que ainda vivem nos adultos odeiam trabalhar. Formamos nossas impressões acerca do trabalho e da vida profissional muito cedo, vendo nossos pais trabalharem. E essas impressões são, via de regra, imaturas, pois são criadas com os olhos da criança. Apreender essa percepção infantil e transpô-la para vida adulta é importante!
Temos uma rixa cultural com o trabalho. Desde a noção bíblica de que o trabalho é fruto de uma punição até as correntes ideológicas que pregam o trabalho como relações de opressão, temos um terreno fértil para odiar o fato de trabalhar. Em conjunto com isso, temos outro fator relevante que trata de nossa formação psíquica. Desde pequenos somos expostos ao trabalho, mas de maneira indireta, ou seja, vemos apenas uma parte dele. As crianças veem seus pais saindo para o trabalho e quando retornam para casa, a noção de ausência é, muitas vezes o registro que elas tem do trabalho.
Outro registro é sobre a frustração, no caso de quando desejam brincar com os pais ou que um deles fiquem mais em casa e os pais respondem: “não posso, tenho que ir trabalhar”. Essas impressões estruturam a mente da criança a respeito do trabalho. Em boa parte dos casos, porém, esta percepção não muda. Permanece, para sempre a noção da criança de que trabalho é frustração e perdas. Vários clientes com quem trabalhei odiavam trabalhar, sem nem mesmo compreender o porque. Em quase todos os casos, entendemos que a criança era quem falava sobre o ato de trabalhar.
Amadurecer esta noção é ir além do que a criança aprendeu sobre o trabalho. Desmistificar para si mesmo o eterno desejo de apenas brincar e relaxar, como fatores que, embora prazerosos, não são em si estruturantes. O trabalho serve à uma função, ele não é “por si”, mas sim, “para algo”. Esta “finalidade” do trabalho é com que os adulto se encontram. E vou além: não restrinjo a ideia de bonificação, mas sim, a ideia do produto final do trabalho de fato. Em outras palavras, a finalidade não é o salário, mas o que o trabalho gera em sua decorrência direta.
Posso dizer que a percepção do ato de trabalhar enquanto oposição ao lazer é imatura. Isso porque tornar-se adulto envolve o desejo em tomar conta de si e o trabalho faz parte disso. Note que coloquei o desejo e não a obrigação. Tornar-se adulto é assumir uma atitude psicológica de autonomia, nesse sentido, o trabalho e as atividades relacionadas ao cuidado pessoal e evolução se tornam alvos do desejo. Esta é uma das diferenças entre a mente infantil e dependente e a mente adulta autônoma.
Na busca por este desejo é que o adulto busca se vincular à uma atividade que lhe traga sentido (e não prazer como se costuma dizer por aí), onde a remuneração também é parte importante a ser considerada, pois faz parte das “atribuições” do adulto. Essa reflexão muda a perspectiva sob as quais se avaliam as dificuldades do mundo do trabalho inerentes à qualquer profissão. De uma postura dependente onde “alguém tem que fazer algo por mim”, o adulto passa a “buscar algo para si”.