• 3 de abril de 2020

    Abrir-se

    – E daí me convidaram, mas eu decidi não ir.

    – E porque não?

    – Ah, ia dar um certo trabalho e eu não queria tanto assim sair.

    – Estranho não é?

    – O que?

    – Porque uma de suas queixas é que ninguém te convida para sair, mas quando isso acontece, você nega.

    – Ah… é que… não sei, sei lá, não queria e pronto.

    – O que você sente quando faço esta colocação?

    – Meio estranha.

     

    Muitas vezes reclamamos da falta de oportunidade em nossas vidas. Muitas vezes, porém, não estamos realmente abertos para viver aquilo que dizemos querer. Embora isso possa parecer algo estranho e um tanto insólito para muitos, é um tema corriqueiro em psicoterapia. O que faz isso acontecer?

    Acontece sempre, a pessoa dizendo que quer encontrar uma pessoa com determinadas características chega ao consultório e me diz que encontrou uma pessoa exatamente como ela procurava. Quando pergunto: “como foi?”, me responde: “ah, meio sem graça, não rolou aquela “química”, sabe?”. Obviamente, tenho todo respeito pela necessidade da “química” em uma relação, mas depois que isso ocorre umas três vezes, temos um padrão estabelecido. E o ponto interessante é: a “química” sempre ocorre com o “oposto” daquilo procurado. Mera coincidência? Não.

    Há uma diferença entre aquilo que dizemos querer, por causa de nossas percepções e reflexões acerca da natureza das pessoas e aquilo que realmente queremos com base em nossas experiências emocionais e psicológicas. Entre a primeira e a segunda, esta tem muito mais força do que aquela. Não se trata em verificar se aquilo que dizemos querer é de fato bom ou não, na maior parte dos casos é. O que olhamos é para ver se a pessoa está emocionalmente e psicologicamente aberta para ir atrás disso. Nem sempre isso ocorre.

    Então me dizem: “mas claro que estou, veja estou aqui dizendo que quero”. As escolhas que fazemos em nossa vida não são todas do tipo “escolha de supermercado”. Essa que são as mais importantes, mexem com nossos limites psíquicos e emocionais. É quando temos que optar entre abrir mão de ser aquela pessoa forte que queremos ser e dizer: eu não aguento mais isso – mesmo temendo que o outro vá embora – porque, de fato não aguentamos. Estar aberto àquilo que queremos é, no fundo, estar aberto para sacrificar os comportamentos que já temos e que nos impedem de alcançar aquilo.

    Este é o ponto de virada. Quando se percebe que muito do que queremos para nós só não está sendo alcançado por causa do nosso comportamento atual, podemos ver com mais clareza o que realmente precisamos  fazer. E quando me refiro à comportamento, pode ser desde uma atitude externa, como no caso acima, sair com pessoas que te convidam ou algo interno como prestar atenção à nossos sentimentos e desejos e segui-los ou aprender a perceber a realidade sob um novo enfoque.

    Abrir-se, portanto, significa, antes do ganho, a perda. Estar aberto aquilo que realmente queremos significar deixar para trás os comportamentos que nos levam ao que não estamos querendo. Quando abrimos mão disso, do lugar que tínhamos ao desempenhar estes comportamentos e nos permitimos aprender novas formas de agir é que conseguiremos obter novos resultados. Aquilo que nos impede de crescer sempre tem uma intenção positiva que é nos proteger de alguma maneira. Essa intenção, porém, pode ser executada de várias maneiras e é quando aprendemos isso que conseguimos “dar o próximo passo”.

    Abraço

     

     

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