– Mas eu não consigo mais me sentir eu ali dentro!
– Porque não?
– Eu não posso expressar quem eu sou.
– E quem é você?
– Eu não sei dizer direito, mas sei que eu não posso falar o que eu penso de verdade.
– Certo e de forma isso te despersonaliza?
– Tenho que ficar ouvindo o que eles pensam oras.
– Repito a pergunta.
– Eu não gosto de ouvir isso.
– Ok, entendo. Agora é diferente dizer isso e dizer que você perde a sua identidade. Afinal ou ela é sua ou não é.
– Faz sentido… você acha que isso tem a ver com eu não saber lidar direito com críticas e rejeição.
– O que você acha?
– Acho que sim.
A questão modernista e humanista: “quem sou eu?” colocou a humanidade em uma busca eterna de resposta. Várias tentativas já foram feitas e ainda continuam sendo feitas para responder a questão. Hoje a questão de identificação com questões e posicionamentos se torna mais uma tentativa de resposta, mas conseguirá essa nova tentativa realmente responder a questão?
Trabalhar com a identidade é uma questão muito interessante. Em um determinado momento da história a identidade se dava por local e família de nascimento. A estrutura da identidade era pré definida. Hoje temos uma estrutura mais flexível e a questão: “como se define a identidade” é o ponto mais importante. Porém, esta questão torna-se secundária diante da angústia que sentimos em saber quem somos. Em outras palavras, tentamos definir logo quem somos para acabar com a angústia, sem nos importar muito com a maneira e os motivos pelos quais a escolha (se é que é uma escolha) foi feita.
Assim sendo, sempre que trato deste tema, digo que “se você está se sentindo inseguro, está certo”. Me parece que a identidade não é uma questão para os “fracos de coração”, não me parece que vamos encontrar respostas tranquilas e paz de espírito ao enfrentar este tema. Os existencialistas colocam que o “ser” não “é”, mas sim “se torna”, sendo, assim, um eterno “vir-a-ser”. Ou seja, a identidade é algo mutante. Mas como afirmar isso poderia nos ajudar com a questão?
O ponto é compreender que existe uma diferença entre a identidade e as coisas com as quis nos identificamos. Quando alguém diz, por exemplo, ser de esquerda ou direita, há uma confusão, pois a pessoa não é de um ou outro lado. A pessoa possui um pensamento em sua mente, este pensamento assemelha-se à um discurso externo e neste ponto há uma identificação entre o pensamento e o discurso. Assim sendo é incorreto dizer que alguém “é” de esquerda ou direita. O mais preciso seria dizer: “o conteúdo do meu pensamento identifica-se com o conteúdo daquele pensamento”.
Algo é percebido no ser e este algo encontra uma ressonância externa. A identificação não é no externo, mas compartilha algo com este. Pois se a identidade está fora, eu deixo de ser e aquilo que está fora passa a ser eu por eu mesmo. Dito da maneira citada no parágrafo anterior, cria-se algo diferente, o eu torna-se identificado com o processo de pensar e não com seus conteúdos apenas. Assim sendo, ele pode se tornar mutável, pode evoluir.
Desta maneira que o existencialismo contribui para a questão, a meu ver. Faz-se entender que a identidade não é algo preso aos conteúdos e muito menos às formas externas. Usei o exemplo da política, hoje em ebulição, porém poderia falar de roupas, estilo musical e qualquer outro elemento externo com o qual as pessoas se identificam. Como o ser é um vir-a-ser, o processo pelo qual ele se forma é mais importante do que a forma em si, pois esta é, na verdade, apenas o trampolim para a próxima forma.