– Eu não sei mais o que fazer.
– Em relação à que?
– Como assim?
– Em relação ao que você não sabe mais o que fazer?
– Essa situação toda! Não aguento mais me sentir assim!
– O que precisa mudar nessa “situação toda”?
– Eu não sei o que você quer que eu diga!
– Não quero nada, não sou eu quem manda na situação.
– E você quer dizer que eu mando?
– O seu comportamento afeta isso tudo, não afeta?
– Não gosto de pensar nisso.
– O que acontece quando você pensa nisso?
– Me sinto mal com o que eu faço.
– E o que você faz com esse sentimento?
– Eu faço outra coisa, não gosto de me sentir assim…
Muitas pessoas buscam terapia com um discurso de “quero mudar”. Porém, muitas vezes “quero mudar”, significa apenas: “quero que as circunstâncias mudem”. Essa diferença entre o desejo e o discurso, muitas vezes é fruto do fato da pessoa não conseguir lidar muito bem com a consequência de seus atos.
O desejo de alcançar resultados diferentes mantendo os mesmos comportamentos no mesmo contexto é uma piada já conhecida. Muito embora ela sempre soe cômica quando exposta, permanece em nossa cultura. Ocorre que existe um problema de foco e de leitura de realidade que nos impede de ver o óbvio: as consequências de nosso comportamento. Desvia-se o foco para os outros, as circunstâncias e até mesmo postula-se uma suposta “impotência” diante de algo apenas para fugir de um ponto fundamental: a responsabilidade.
Neste ponto, a realidade, ou seja, os fatos diretos são importantes. Embora exista muito relativismo dentro das áreas humanas, todo psicoterapeuta sabe que é uma característica muito comum de toda neurose ou comportamento inadequado a profunda recusa em ver o real. Porque? De maneira simplista, pelo fato de que ao me deparar com o real, os caminhos se abrem. Quando nos atemos ao que fazemos e aos resultados que estes comportamentos geram, nos tornamos lúcidos sobre nosso real impacto em nossa própria vida.
O que nos faz fugir disso, então? Exatamente o fato de não desejarmos ver. Embora soe paradoxal, esta é a verdade quando estamos “emaranhados”: buscamos apenas aquilo que nos mantém ali. Evitamos aquilo que nos ajuda. Olhar para aquilo que nos liberta significa também assumir que a realidade não é – e não será – exatamente aquilo que queremos: uma abundância onde tudo o que precisamos fazer é desejar e esperar. O real cobra seu preço pela realização de nossos desejos e apenas quem está disposto a pagar por isso poderá ter acesso à esse “manjar”.
Então surge o impasse: perder a ilusão que mantenho sobre eu e o mundo, sobre como as coisas “deveriam” funcionar – para que eu continue deitado em berço esplêndido – ou olhar a realidade, suas funções e limitações e agir de acordo com estas regras? Embora libertária, a realidade é também limitante. É no limite do real que encontramos a força para nos libertar, mas é exatamente este o preço que é difícil para muitos de pagar pois envolve um compromisso com os fatos.
A medida em que os fatos recebem lugar dentro de nosso universo psíquico, conseguimos, aos poucos, organizar uma imagem mais realista de quem somos. A grande sacada da maior parte das pessoas nesse sentido é que a medida em que se limitam e agem de acordo com estes limites – respeitando, assim, a realidade – elas também se sentem mais fortes e conseguem resolver melhor seus problemas. Até agora, falei do preço cobrado pelo real, mas o produto, por assim dizer, é este a liberdade de realmente ser quem se é.