• 15 de dezembro de 2021

    Escolher “bem” ou escolher “certo”?

    – Mas eu não consigo fazer isso.

    – Consegue sim, você fez oras!

    – Mas e porque eu me sinto culpado por isso?

    – Ora, porque não se sentiria?

    – Porque eu devo me sentir? Eu fiz a escolha certa!

    – “Certa” sim, “boa”, não.

    – Como assim?

    – Ora, você passou por cima de algumas crenças pessoais não?

    – Sim, mas… passei…

     

    A modernidade líquida se baseia na ideia de que toda mudança é boa “per se”. Há um ditado alemão que diz existir diferença entre mudar e melhorar. Mudanças nem sempre são positivas e nem sempre são fáceis, assim sendo, mudar envolver lidar com emoções “negativas” mesmo quando ela “é certa”. Mas dar conta disso, nem sempre é fácil.

    É importante distinguir entre os níveis de crença e concretude. Concretude se refere ao que vemos no mundo “tal como ele é”. Ao pensarmos de maneira “concreta”, buscamos as evidências, os resultados, as condições necessárias para realizar algo e os recursos para fazê-lo. Quando pensamos em crenças, refletimos sobre os valores disso tudo, o que achamos sobre isso e o lugar dado à isso em nossa mente e coração. E nossa vida prática, ambos universos coexistem em atrito ou harmonia. Desta coexistência e das repercussões dela é que nascem algumas escolhas que são “boas” ou “certas”.

    Escolhas “certas” ou “evolutivas” (como prefiro chamar) tem a ver com encontrar os melhores meios para agir no mundo e conseguir extrair dele aquilo que é importante para mim. Essa percepção nasce do desejo individual sobre como existir no mundo. o que é “evolutivo” para uma pessoa não é, necessariamente, para outra. Quando se toma uma decisão baseado nisso, estamos olhando para a realidade de nossos desejos e daquilo que é necessário fazer para realizá-los.

    Escolhas “boas”, tem a ver com as crenças que temos. Estas envolvem tanto as individuais quanto as grupais (família, amigos, trabalho e sociedade). Neste sentido a escolha que tomamos se refere às regras que seguimos sobre como o mundo é ou deve ser, sobre como somos ou devemos ser. As crenças tratam das ideias sobre o universo e não de sua realidade. Neste sentido, quando fazemos as escolhas com base em crenças, estamos falando sobre seguir ou não as regras (dos outros e nossas).

    Portanto, algumas escolhas podem ser “evolutivas” e ao mesmo tempo “más”. Aquilo que se deseja individualmente, em termos concretos pode ser diferente daquilo que creio (ou que meu grupo crê). Assumir o risco e agir mesmo assim, implica na culpa em quebrar as regras. A sociedade nos diz que não devemos sentir a culpa, porém, não há como não senti-la. Perdemos a inocência ao infringir as regras, mesmo que isso seja “evolutivo”. Assim, muitas vezes é possível (e realista) evoluir e sentir culpa por isso. É a consequência de, ao mesmo tempo, buscar algo para si e distanciar-se das regras que você mesmo seguia. É um paradoxo na mente e coração: concretizar algo importante e necessário ao mesmo tempo que infringe regras e afasta-se do grupo que seguia estas regras.

    Outras escolhas podem ser “boas” e “limitantes”. Estas ocorrem quando deixamos nossa percepção e desejos de lado em prol de manter as crenças. Troca-se a culpa pela inocência e fazemos jus ao status quo. Nesse sentido, fazemos uma boa escolha e nos limitamos. Não seremos punidos, mas iremos conviver com a frustração e arrependimento: “e se eu tivesse…?” Seguir as regras nos torna mais próximos daqueles com quem criamos as regras, mantém a proximidade e, para muitas pessoas, isso é essencial. O preço deste tipo de escolha, porém, é o limite e a dependência. O paradoxo, neste caso é: “eu fiquei, mas me sinto mal com isso”. A proximidade deixa de ter um gosto doce.

    O desejo contemporâneo é sempre pelo caminho do menor esforço: porque não fazer escolhas boas e evolutivas? Porque a evolução não olha para as regras, embora elas sejam necessárias. Não há sociedade sem regras, nem mesmo um indivíduo. De outro lado, não há evolução se as regras forem seguidas o tempo todo. Assim sendo, a culpa e liberdade estão, num primeiro momento, sempre de mãos dadas. Apenas a coragem para enfrentar isso é o que nos impele em “direção ao abismo”.

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