• 10 de setembro de 2014

    Produtos para alma

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    • Ando meio preocupada.

    • Com o que?

    • Sabe aquele exercício que fizemos logo no começo da terapia sobre motivação?

    • Sim.

    • Então, me ajudou muito, mas agora eu estou percebendo que não está mais fazendo tanto efeito.

    • Oba, que coisa boa!

    • Porque boa?

    • Porque quer dizer que você evoluiu. As respostas antigas precisam ser revistas.

    • Hum…

     

     

    A sociedade de consumo traduz não apenas em comportamentos, mas também em cultura e numa maneira de pensar e raciocinar. Uma das características mais enfáticas e talvez mais nefastas deste raciocínio é a de transformar tudo em um produto ou serviço para ser consumido. Ao encarar tudo desta maneira objetificamos o mundo em que vivemos e o entendemos como um grande produto à ser consumido por nós.

    Na área em que trabalho isso é muito simples de ser visto através dos pedidos das pessoas em terapia “não quero mais isso”, como se “isso” (seja este isso uma dor, uma emoção ou dificuldade) fosse algo que ela comprou errado e agora quer se desfazer. Obviamente não nego o desejo da pessoa e nem a censuro por não querer sentir raiva ou aflição, creio que isso é normal. O ponto que levanto é que estamos aprendendo a tratar isto como se fosse um produto e isso não é funcional, não ajuda a pessoa porque a faz ver uma emoção, por exemplo, como algo que ela não é: um produto. Não se joga fora um comportamento ou uma emoção como se este fosse um celular antigo que não serve mais. O mesmo vale para pessoas, ou pelo menos, deveria.

    Pensar a terapia como um produto é algo muito interessante. As pessoas entendem que será “vendido” lá dentro são produtos, tais como: auto estima, motivação, liberdade. Quando se pensa nestes temas como produtos a reflexão segue a seguinte linha: o que tenho que fazer para conseguir? Uma vez que a pessoa “consiga” ela nunca mais terá que se preocupar com isso. Então, na prática seria algo assim: eu pago a terapia que vai me dar uma fórmula qualquer que irá fazer com que eu nunca mais sinta tristeza e fique alegre o tempo todo. Porque? Porque alegria é um produto, como um celular e se eu “comprei” a alegria eu “tenho” que tê-la até o fim dos meus dias.

    O problema é que o produto não é um produto. E aí a porca torce o rabo.

    Uma maneira muito mais útil – e, quem sabe verdadeira – de ver motivação, auto estima, emoções e comportamentos é como um resultado. Ou seja, elas não são “coisas” como um celular, um televisor, mas sim resultados de um processo. Por exemplo, quando eu acordo cansado e com preguiça o que gera o resultado da  motivação em mim para levantar e ir para a academia é a imagem de eu com 90 anos me sustentando nas próprias pernas sem ajuda de ninguém. Quando foco nesta imagem uma voz vem e me diz – talvez seja o meu “eu” com 90 anos – “levanta e vai”. A emoção da motivação não é garantida, eu não comprei ela, não é como o celular que me desperta e que está em cima do criado-mudo e vai continuar lá quando eu voltar. A motivação precisa ser despertada, gerada, sentida. E, dependendo do contexto, a minha maneira de evocá-la (a imagem de que falei acima) não ajuda muito, por exemplo, quando estou numa semana muito corrida preciso mesmo é descansar e entre a imagem do velho sadio e da cama quentinha a segunda prevalece.

    Porque isso é assim?

    Porque não somos máquinas. Mudamos ao longo do tempo, nos adaptamos, aprendemos, evoluímos e isso significa dizer que algumas regrinhas precisam ser revistas, reestudadas e até mesmo ver se ainda são importantes. Por mais que possamos enxergar um ser humano como uma máquina ou um produto isso não o torna uma máquina ou um produto, somos muito mais do que isso. Por esta razão que a pesquisa em psicologia nunca acaba.

    Assim sendo se nós não somos máquinas aquilo que nos faze e motiva também é cambiável, mutável. Ainda bem, inclusive: já pensou se as suas motivações fossem as mesmas de quando você tinha 5 anos? Aí o cara vem, te oferece um sorvete e você fica com ele, casa com ele por um pacote de bolacha negresco. Estou ridicularizando a situação porque quando levamos o raciocínio consumista à rigor ele entra neste ridículo: se as coisas devem permanecer estáveis, se a minha motivação deve permanecer sempre igual, então aquilo que me fez aos 3, 5, 7 anos deveria estar aqui até agora. Porque não está? Porque, graças aos céus, você evoluiu e junto com isso evoluíram as “regras” de funcionamento e de motivação que você tem dentro de ti, por isso dá mais trabalho, por isso traz mais riqueza.

    Ao encarar estes elementos como resultados tornamos a vida mais rica, pois temos que nos perceber a cada momento de nossas vidas e evoluir com ela. Ou isso ou nos pensamos como um boneco numa caixa: feito uma vez e imutáveis, eu prefiro a primeira opção e você?

    Abraço

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