• 2 de março de 2016

    Abrir mão do medo

    – Eu não quero mais ir lá.

    – Porque não?

    – Cansei de ficar sendo feita de boba sabe?

    – Sei sim.

    – Então?

    – Então o que?

    – Não é um bom motivo?

    – Não sei. Acho que não.

    – Porque não?

    – Embora você “seja feita de boba”, me parece que tem bons ganhos indo lá.

    – É verdade…

    – Será que “não ser feita de boba” deve nascer da fuga ou do enfrentamento da situação?

    – Eu não sei como enfrentar.

    – E até quando vai ficar sem saber?

     

    O medo é uma emoção que busca nos proteger. Até aí, nada de errado, pelo contrário. Porém, existem pessoas que estruturam suas vidas com base no medo, criando limites muito rígidos para o seu próprio bem-estar.

    O medo é uma emoção de futuro, ou seja, precisamos visualizar um futuro no qual temos uma grande possibilidade de receber dano, daí o desejo por proteção. No entanto, o risco de receber dano é permanente em nossas vidas, ou seja, não existe uma maneira de evitar completamente o dano, de extinguir a possibilidade de sofrimento futuro. Quando a pessoa busca, com seu medo, proteger-se completamente da possibilidade de dano ela torna-se fadada à uma busca irreal.

    Um dos ensinamentos comuns à qualquer religião e filosofia é sobre como encarar e lidar com a dor e o sofrimento. Desde os pessimistas como Schopenhauer que afirmam que a vida é sofrimento e que o melhor que podemos fazer para lidar com ele é nos acostumarmos ao mesmo tempo em que tiramos de nossa mente o desejo por elementos que nos fazem sofrer, até os trágicos como Nietzsche que afirmam o sofrimento como parte da vida, porém de maneira gloriosa, em outra palavras: devemos enaltecer tudo da vida inclusive o sofrimento que ela traz.

    A ideia do sofrimento como “garantido” nos leva a crer que é importante aprender a sofrer. Costumo dizer aos meus clientes que temos que aprender de tudo nessa vida e o sofrimento é um desses aprendizados. Aprender a sofrer significa aprender a lidar com a dor, com a percepção, sensação e emoção de dor. A dor percebida tem a ver com nossa cognição, ou seja, aquilo que percebo que estou perdendo, o dano que percebo que estou sofrendo. A sensação tem a ver com a manifestação física da dor (peito pressionado, frio na barriga) já a emoção tem a ver com as várias emoções que a dor pode trazer consigo assim como com a “emoção da dor”.

    Quando uma pessoa determina que não pode haver danos em sua vida, que ela nunca será “vítima” da dor, inicia-se um processo de negação e aversão à dor e sofrimento. Esta aversão faz com que a pessoa esteja o tempo todo buscando evitar situações que lhe causem algum tipo de sofrimento. O sofrimento recebe um valor muito alto e irreal como algo que “não deve ser, não pode acontecer”. Então o medo aumenta a sua potencialidade e se torna muito maior. Os “alarmes” do medo são ajustados num nível muito alto e qualquer coisa se torna uma ameaça.

    Por incrível que pareça ao tornar excluir o sofrimento de sua vida a pessoa passa a conviver com o medo, sentindo-o em proporções muito grandes e tendendo a fechar-se para qualquer tipo de possibilidade de coisas novas em sua vida (porque elas são um risco). O medo é a emoção que nos protege, se tomo o mundo como ameaça – pelo fato de desejar evitar todo e qualquer dano – preciso sentir medo do mundo.

    Reações como fechamento, incredulidade e uma tensão que parece nunca ter fim são elementos constituintes comuns da decisão de ver o mundo como ameaça. A sensação de impotência vem logo em seguida e, por incrível que pareça, ela é adequada, explico: dor e sofrimento fazem parte da vida, a ideia de tentar eliminar isso será sempre frustrada. Nós, seres humanos, somos incapazes de não sentir dor – aqueles que “são capazes” são aqueles com problemas neurológicos que, geralmente, dariam tudo para sentir dor novamente.

    No entanto, abrir mão desse fechamento, significa abrir-se à possibilidade de sofrer. Ver-se como uma pessoa que é capaz de sentir dor, sofrimento e de superar isso. Perceber o sofrimento não como uma tolice ou algo do que se proteger à todo custo, mas sim algo com o que se deva aprender.

    A “solução” do medo não é em evitar a dor, mas sim em aprender a defender-se de ameaças. Por ambíguo que possa parecer, para aprender a defender-se temos que aprender a entrar em contato com a ameaça. Enfrentar aquilo que se teme, aceitando a possibilidade do dano, é que significa, em última instância vencer o medo. Como disse Alexandre, o Grande no filme: “Conquistem seus medos e eu lhes garanto: vocês conquistarão a morte”.

    Obviamente, a “morte”, aqui deve ser entendida como a “morte em vida”, ou seja, a cinzenta e lenta passagem dos dias sem nenhuma força, nenhum glamour, nenhuma novidade. Morrer em vida, pelo medo da dor que esta pode causar é a perda maior que o ser humano pode ter. No filme recente “O pequeno príncipe”, uma frase me cativou e gostaria de encerrar com ela para fechar o pensamento sobre a dor e o medo: “a gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixa cativar”.

    Cative-se pela sua vida.

     

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