• 14 de outubro de 2016

    A verdade liberta

    – Mas porque ela não consegue ver isso?

    – Como que ela pensa que uma relação deve ser? Você sabe?

    – Não perguntei diretamente para ela, mas sei de algumas coisas.

    – Ela não consegue ver isso porque ela não nasceu com a sua mente. Pode parecer incrível, mas ela tem ideias próprias e nessas ideias talvez não esteja o que você queria que ela pensasse ou visse.

    – Tenho que conversar com ela então?

    – Sim, porque você está vendo que ela age de forma diferente, então, ao invés de julgar aprenda com ela.

     

    “A verdade liberta” é uma ideia contida na religião assim como na Filosofia. Porém, como reflete o governador romano: “o que é a verdade?” Compreender um pouco mais sobre esse conceito nos ajuda em muitas áreas da vida.

    Na minha área, a psicologia, compreender a verdade significa olhar para aquilo que há, de forma nua e crua. Quanto mais consigo observar o que há, mais me torno sensível ao que estou vendo na minha frente. Não se trata de ter um “olhar imparcial” ou “neutro”, mas sim de criar em minha mente uma imagem daquilo que vejo e não daquilo que acho que vejo ou que gostaria de ver.

    Embora isso possa parecer óbvio, vale dizer que na maior parte das vezes o ponto que tenho que trabalhar com meus clientes é exatamente este: o que você está vendo? Existe uma diferença enorme entre ver aquilo que estamos vendo de fato e interpretar aquilo que estamos vendo, assumindo esta interpretação como a verdade ao invés daquilo que vemos de fato. E essa interpretação, não raro, está distante da realidade.

    Usualmente gostamos de analisar o mundo e não de observar o mundo. Partimos de uma ideia e tentamos organizar o mundo de acordo com nossas ideias. Quando lidamos com pessoas, porém, isso é o caminho para o desastre, porque cada um possui uma ideia prévia de como as coisas são e tentar enquadrar as pessoas dentro do nosso modelo de mundo é inadequado e, porque não dizer: desrespeitoso?

    O desejo de criar uma família com filhos, uma casa feliz e boas relações parece muito bom não é mesmo? E é, desde que a pessoa com a qual você deseje criar esta família também queira uma em moldes parecidos com os seus. Fora isso, exigir de alguém que queira isso é desrespeito. E é isso o que acontece na maior parte das vezes com as pessoas. Não queremos saber das verdades alheias, nosso desejo é que elas queiram o mesmo que nós. Quando percebemos que elas não agem de acordo com nossas expectativas, julgamos.

    Este julgamento lhe aprisiona em seu próprio modelo de mundo. Observar o que a pessoa quer e aprender de que maneira o seu modelo de mundo pode (se é que pode) conviver com o modelo de mundo do outro é o que nos liberta. As expectativas se tornam critérios de análise, os outros se tornam entidades vivas com o direito de serem quem são e você se torna responsável pela maneira que consegue se relacionar com estas outras pessoas. A verdade liberta no momento em que aceitamos aquilo que está diante de nós, sem interpretar ou julgar e passamos a lidar com aquilo.

    Então “verdade”, quando falamos de relações humanas é aquilo que estamos vendo diante de nós. A maneira nua e crua pela qual uma pessoa se comporta. Os motivos e explicações que a levam a agir assim precisam ser perguntados para que possamos entender melhor como ela pensa. Essa é uma visão prática da verdade, que nos leva a interpretar (e julgar) menos e a observar e compreender mais para, então, aprender como conviver com o que existe de fato.

     

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