• 23 de novembro de 2016

    Muitas opções, poucas escolhas

    – Mas Akim, o que eu devo fazer?

    – Não sei.

    – Vê como são tantas escolhas que eu posso fazer?

    – Não, você tem muitas opções, mas escolha será apenas uma.

    – Não penso assim, posso mudar depois.

    – Pode, e assim manter seu ciclo de “começa-não termina”.

    – Não gosto quando você fala assim.

     

    Quanto mais opções melhor certo? Nem sempre. Na verdade, ter muitas opções pode criar o paradoxo da “não-escolha”. Sem você tem problemas em fazer escolhas, leia este texto.

    Uma das condições primordiais da escolha é a renuncia de outras opções. É a batia e conhecida ideia de que toda escolha implica perdas. A escolha, como já coloquei em outros posts, é uma característica de seres limitados. A escolha é onde se exerce a liberdade justamente porque não podemos ter tudo. Aquele que tudo pode não precisa de liberdade e nem de escolhas, porque tudo pode. Assim, nós que não podemos tudo temos que nos habituar à perda.

    A importância da perda é que, de certa forma ela concretiza a escolha. Afirma-se uma realidade e nega-se outra. Novas escolhas podem ser feitas, porém sempre dentro da mesma estrutura. Somos livres para escolher nossas prisões. Ao deixar um lugar é que podemos ir para outro, não é possível existir em dois lugares ao mesmo tempo. Perder nos ajuda a entrar na realidade do mundo, uma pessoa que não sofre perdas, eventualmente sofrerá muito em sua vida.

    Porém, quando temos uma gama enorme de opções e a permanência destas, passamos a entender que não haverão perdas. “Posso fazer isso outro dia”, “posso pegar depois”, embora sejam “escolhas”, realizam uma noção de que o mundo ainda estará lá para ser escolhido o que dá uma falsa noção de onipotência. Quando a realidade nos frustra, por outro lado, ficamos enfurecidos com ela porque ela não nos deixou escolher aquilo que desejávamos. Infelizmente, a realidade não foi cruel, ela simplesmente foi quem é.

    Esta falsa noção de que poderemos pegar a outra opção em outro dia faz com que não nos comprometamos com as escolhas. Elas começam a ser tratadas com leviandade afinal não são tão importantes, poderão rapidamente ser mudadas. Elas não assumem uma realidade para nós, apenas uma realidade virtual. A realidade nos frustra quando ela é real. Desejamos uma realidade virtual, pois ela nos dá muitas possibilidades, porém ela falha em nos permitir uma escolha plena.

    Em meu consultório verifico isso quase que diariamente nas pessoas com milhares de planos, os quais são todos muito legais e bonitos, porém não se concretizam. São opções e estão ali disponíveis, mas não são escolhas. O netflix registra bem esta realidade. Não é necessário escolher, propriamente falando, apenas ir vendo, colocar na fila, pausar e ver depois. Não existe a necessidade de compromisso com aquilo que está na tela, se você não prestar atenção, pode ver novamente.

    As locadoras de antigamente impunham a necessidade de planejamento. Havia muita realidade nelas no sentido de ir até o lugar, escolher um filme e ter um prazo de devolução. Dificilmente alguém via filmes de maneira desleixada naquela época, custava muito caro. E é exatamente esta noção que se perde com o netflix, de que existem perdas e gasto de tempo e energia em nossas escolhas. Nas opções não, nas escolhas sim.

    E hoje, tudo assume um padrão netflix onde você pode colocar a opção em “stand by” e usá-la depois “quando bem entender”, filmes, músicas, artigos e pessoas. Felizmente ninguém deseja ser a opção deixada de lado porque nesse momento sentimos muito bem o que é a realidade de ser ou não escolhido. Talvez, pela dor, ainda exista a possibilidade de escolhermos com mais qualidade nosso futuro.

     

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