• 30 de novembro de 2015

    Afastar-se

    O rapaz escalou a montanha e finalmente havia chego na caverna do velho eremita. Ele ouvira muitas coisas sobre o porque aquele velho vivia naquela caverna afastada e queria descobrir, de verdade, o que havia feito o velho ir morar tão longe de tudo e de todos. O rapaz entrou na caverna e ofereceu comida e remédios ao velho que o acolheu. Após uma conversa não muito longa o rapaz voltou para a cidade. Lá chegando foi conversar com os colegas sobre o que havia descoberto.

    – E então, ele é um bruxo?

    – Não.

    – A mulher e os filhos morreram e ele resolveu se isolar do mundo?

    – Não.

    – É um traidor fugitivo?

    – Também não.

    – Então porque ele mora lá? – Perguntaram todos.

    – Porque lá no alto da montanha não tem leões.

    Os amigos se entreolharam e responderam ao colega:

    – Mas nesse país não tem leões!

    – Eu sei, mas, quando ele era pequeno ouviu a história sobre um terrível leão e resolveu ir para um lugar onde não tem leões. Bem, nas montanhas não existem leões, ele deduziu. Como nunca foi atacado por um leão lá em cima ele nunca mais saiu de lá.

    A história do velho eremita, por incrível que pareça, é a história de todos nós. Todos evitamos algumas coisas em nossas vidas por medo. O problema é que, nem sempre, ela evita o que realmente tememos ou pior: cria a ilusão de que estamos evitando algo com nosso comportamento, quando estamos, na verdade, simplesmente nos iludindo.

    A “moral” da história é que a resposta do velho ao seu medo foi tão extrema e tão rígida que ele nem se deu conta que no seu país não tinham leões e nem irá porque ele ainda está pensando que a caverna o protege de leões. Ele vive uma ilusão de que morar na montanha é o que está prevenindo-o contra os leões. Da mesma forma que muitas pessoas evitam um relacionamento para “não sofrer” ou evitam um investimento para “não fracassar” ou evitam a vida para “não se decepcionar”. E em geral, já estão sofrendo, sentindo-se fracassadas ou decepcionadas.

    Para nos afastarmos de algo precisamos manter este “algo” em nossa mente. O velho imagina os leões rondando a  cidade e, por isso, mantém-se no topo da montanha. As pessoas que temem relações imaginam o tempo todo a frustração com elas e, por isso, mantém-se afastadas das relações. Quando não imaginam, tratam de recolher “evidências”.

    As aspas são para lembrar que as “evidências” são, na verdade distorções que cria-se para que um evento qualquer assuma o valor daquilo que queremos. Por exemplo, alguém que não quer sofrer pode compreender que qualquer pequena ansiedade que sinta numa relação é um bom sinal para cair fora, afinal de contas, ela está sofrendo não está? Não, está apenas ansiosa e não é uma boa razão largar uma relação por causa disso.

    Manter a ilusão e arranjar este tipo de evidência tem um outro ônus: manter a pessoa numa posição de fragilidade. A defesa que criamos não nos organiza para lidar com o problema, mas sim para evitá-lo. Assim, mantemos nossa fragilidade em relação ao que tememos. Assumimos uma postura de arrogância fingindo que não nos preocupamos com algo com que, na verdade, nos preocupamos e continuamos incompetentes para lidar com a situação. O seu medo continua o mesmo e você continua o mesmo, com a mesma leitura de mundo. Na nossa história, podemos entender que o velho ainda é aquela criança medrosa, pois ainda reage da mesma forma ao seu medo.

    A evitação tem este poder por causa da ilusão que cria. Como o velho nunca viu leões, ele acha que a sua estratégia está funcionando. Este é o momento em que a mente criativa emperra. Uma mente criativa pensaria, por exemplo: ok, isso está funcionando o que mais eu posso fazer agora? A mente criativa amplia os limites enquanto a neurótica os fecha e enrijece. No caso de uma pessoa que tem medo de relações, ela pode pensar, ok, ficar só me isola da frustração, o que mais posso fazer? Isso poderia ajudá-la a ir além de uma resposta apenas. Afinal de contas, tem momentos em que é necessário se afastar, mas manter-se afastado para sempre pode acabar com uma vida.

    Abraço

     

     

     

     

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