• 12 de outubro de 2016

    Aproveitar a vida

    – Recaí Akim

    – Porque?

    – Bem, eu estou nesse projeto de fazer o que eu quero e curtir minha vida né?

    – Sim

    – Nesse final de semana eu me peguei numa decisão difícil, mas depois me senti mal com minha escolha.

    – Me conte.

    – Ah eu ia ter um trabalho para entregar e realmente estava atrasada, precisava fazer no final de semana.

    – E?

    – Eu fi o trabalho, mas uns amigos tinham me chamado para sair e eu não fui. Fiquei fazendo trabalho.

    – A única recaída que vejo é o fato de você não ter aproveitado o seu trabalho, uma pena.

    – Mas e a saída?

    – Seu trabalho também era importante para você?

    – Sim!

    – Então você fez o que queria, oras. “Fazer o que quer” não se resume ao prazer, pode ser qualquer coisa… que você queira fazer.

    O que é aproveitar a vida? A pergunta pode parecer estranha, porém nunca se fez mais necessária. As pilhas de propagandas sobre como a vida deve ser aproveitada precisam ser revisadas para que as pessoas possam aprender com suas experiência a aproveitar a vida à sua maneira.

    Cada vez mais vivemos em uma sociedade que endeusa o prazer. Tudo na vida tem que ser prazeroso como se esse tipo de sensação fosse algo vindo dos deuses. Tenho a convicção de que vivemos um momento no qual o prazer, o famoso “eu gosto” assumiu um valor nocivo para nossa população. Creio que ele se tornou nocivo porque vejo as pessoas usando “eu gosto” como critério único para quase tudo em suas vidas e isso é um erro. O erro se dá porque nem tudo pode ser resumido em termos de gosto faço, não gosto não faço.

    O mesmo vale para aproveitar a vida. A imagem que coloquei no início do texto tem a função de provocar: o que diabos você vê em “aproveitar a vida” em um cara de guarda chuva? Antes de escolher esta imagem, vi no google, inúmeras imagens de “aproveitar a vida” e todas tinham um sorriso, amigos, muita luz e movimento. Essa é, definitivamente, uma forma de aproveitar a vida, mas será a única?

    Aproveitar, degustar a vida em um sentido mais trágico da existência é compreender que tudo pode preencher o homem de alegria e plenitude. É possível aproveitar a chuva, uma aula de yoga, uma noite de estudos ou uma saída com os amigos, tudo isso pode causar plenitude se for investido de significado. A essência de “aproveitar a vida” é, na verdade a capacidade de investir aquilo que se faz de significado. A ausência do mesmo pode trazer o maior vazio existencial em qualquer situação na qual você se encontre.

    Quando se tem ideias estereotipadas do que é aproveitar a vida, perde-se a dimensão do significado. Temos aí as várias pessoas dependentes da “próxima moda” que ditará aquilo que é ou não aproveitar a vida. Hoje em dia está em voga os anos sabáticos (tem até financiamento de banco para isso) e a pessoa que não fizer não irá poder morrer e dizer “eu curti a vida”. O problema com o estereótipo é esse: ele dá um ponto final à algo que não funciona dessa maneira. Dita que algo que é particular é universal sem ter como confirmar esta hipótese, ou seja, afirmar que todos precisam de um ano sabático é diferente de afirmar que algumas pessoas podem gostar e aproveitar isso enquanto outras não.

    Novamente, o ponto central da discussão é o que é aproveitar a vida para você? A vida não possui um significado próprio, somos nós quem conferimos à ela o valor que queremos assim como o significado. Desta maneira, aquilo que vamos “aproveitar”, dando significado é de nossa alçada. A maior parte das pessoas que atendo com problemas que se relacionam com a depressão tem vidas interessantes até, mas carentes de significado.

    Lembro sempre de uma pessoa que me disse que não foi viajar com os amigos e teve, por causa disso, o final de semana mais interessante de sua vida até ali: curtira os livros que queria ler e a feira perto de sua casa. Ele me contou isso abismado com a descoberta de algo que fez e que o preencheu. Sempre me recordo desta história para me lembrar de que o mais importante não é exatamente o que fazemos, mas o significado que damos ao que fazemos, isso sim é aproveitar a vida: fazer aquilo que é significante para mim.

    Abraço

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