• 26 de fevereiro de 2016

    Sozinho na multidão

    – Então eu senti uma solidão profunda sabe?

    – Sim.

    – E quando sai com meus amigos, eu fiquei pior.

    – Entendo.

    – Não faz sentido, Akim.

    – Depende. Talvez a sua solidão não fosse de pessoas.

    – E do que poderia ser?

    – De ti mesmo.

    – Mas como isso funciona?

     

    A solidão, paradoxalmente, não é uma emoção que fala apenas sobre a presença ou não de outras pessoas em nossa vida, mas também da nossa presença em nossa vida. Você sabe como isso funciona?

    “Nem parecia eu”, “me surpreendi comigo mesmo”, “fiz um negócio que até eu não acreditei que eu fiz”. Sempre ouço estas frases e várias outras com uma temática muito parecida: a surpresa à respeito de atitudes que a pessoa tomou. Surpreender-se consigo é um fenômeno interessante, pois nos revela que não sabemos exatamente o que somos. Se soubéssemos 100% aquilo que somos não poderíamos nos surpreender com nossas ações.

    Isso quer dizer, para os existencialistas – por exemplo, que o ser humano é um eterno “devir”, ou, um “vir-a-ser”. Ele nunca se completa, pois no momento em que o faz um novo processo já surgiu e a transformação começou novamente. O que temos sobre nós é uma imagem, uma percepção que desenvolvemos ao longo do ano sobre quem somos. É a história que contamos à nós mesmos sobre quem somos.

    Essa história e esse personagem – no caso você mesmo – são o alvo do porque a solidão pode ser possível mesmo quando estamos com outras pessoas ao nosso redor. Ocorre que como nos vemos em perspectiva e a partir dessa perspectiva determinamos quem somos e determinamos aquilo que percebemos sobe nós quando não estamos vivendo aquilo que achamos que deveríamos estar vivendo é possível sentir uma emoção de solidão em relação à pessoa que cremos ser.

    Complicado?

    Pense na seguinte frase: “parece que eu me abandonei”. Quando a pessoa diz isso, em geral, segue-se o comentário com explicações de várias coisas que a pessoa deixou de fazer para se cuidar, critérios e valores que ela deixou de lado e escolhas que ela fez que não tinham a ver com ela. Este tipo de comportamento faz com que a pessoa sinta que está vivendo, porém, de acordo com critérios que não a preenchem, como é ela quem executa estas escolhas a sensação de abandono se apresenta e, com ela, a solidão.

    Olho para o que faço e não me identifico com nada. A solidão faz com que nos percebamos sós, que a presença de outra pessoa não seja notada. Ora, como todos temos uma auto imagem, a partir do momento em que não percebemos que esta auto imagem está sendo vivida sentimos que ela não está ali. “Ela”, no caso é você mesmo.

    Neste caso, como citei na conversa acima, ter amigos não ajuda – a não ser que um amigo psicólogo de plantão te diga “meu, você está sentindo falta de você mesmo – porque a falta é de atitudes pessoais. Assim apenas quando a pessoa executa algo que tem a ver com sua própria auto percepção é que ela consegue se encontrar com ela mesma e, com isso, sair da solidão.

    “Eu me encontrei agora”, é o que eu escuto no meu consultório quando a pessoa compreende essa solidão. A partir disso o valor atribuído aos amigos e familiares é que vai determinar o quanto ela precisa da companhia de outras pessoas. “Sei quem sou”, “compreendi o que fazer para me fazer feliz” são as variações do tema, mas tudo focado em tornar real a essência que trazemos em nós. E que muda sempre, mostrando que temos que estar sempre atentos à quem somos para continuar o nosso encontro com nós mesmos.

    É… “ser” dá trabalho.

    Abraço

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