• 9 de maio de 2016

    Vida sem sentido (?)

    – Mestre, qual o sentido da vida?

    – O cheiro de uma flor.

    – Entendo, entendo, mas eu preciso de algo mais concreto e não dessas metáforas.

    – Ah entendi, você quer uma resposta mais concreta para entender?

    – Sim, isso mesmo.

    – Ah, ok. Então, preste atenção: o sentido da vida é o cheiro de uma flor.

     

    Adoro quando um cliente me diz que as coisas que ele faz não tem sentido. Adoro porque ele está absolutamente certo, as coisas, em si não tem sentido mesmo, somos nós quem damos sentido à elas, porém experienciar isso pode ser muito desorientador, porque será?

    Queremos que a vida tenha sentido. Pensamos durante muito tempo que isso vinha de uma necessidade de organizar o mundo de várias maneiras e que encontrar um sentido para a vida era algo importante para completar esta tarefa. Porém, de um outro ponto de vista, pode-se pensar que o desejo do sentido da vida seja, na verdade, uma questão de dependência que temos para com a existência.

    Queremos que a vida tenha sentido para termos ondo nos apoiar, não no sentido de organizar nossa vida, mas no sentido de nos dar motivação. A necessidade da vida ter algum sentido não organiza a experiência, organiza a motivação, diz o que pode e o que não pode ser desejado, assim, queremos que a vida tenha sentido para sabermos como lidar com o nosso desejo.

    A experiência desorientadora que várias pessoas tem em relação a darem sentido as suas existências se dá pelo fato de não conseguirem organizar o seu próprio desejo. Em termos mais simples, a percepção de que elas podem desejar “à vontade” e com isso organizarem seus próprio mundo é por demais expansiva para elas. O desejo, neste momento é “leve” demais.

    Não se trata de fazer o que se quer, mas sim de desejar aquilo que o desejo traz. É comum que nossa ligação com o nosso desejo seja repleta de armadilhas psíquicas e sentimentos conflitantes, por este motivo, quando o desejo se mostra e percebe-se que é possível desejá-lo a pessoa entra em uma espécie de colapso. Fazendo uma metáfora tosca é como se depois de 80 anos gastando só 3000 por mês, alguém lhe dissesse que os outros 5000 que ficam na conta também são seus para gastar como quiser.

    Queremos que a vida tenha sentido para não assumirmos o sentido que queremos dar à vida. É mais fácil jogar nas costas da “vida” (o que é isso mesmo?) o peso daquilo que sentimos. Assumir o sentido que vemos na nossa experiência é uma vivência de fascínio.

    Porém, minha percepção de “fascínio” não é romântica, é trágica. A fascinação envolve dois elementos ao mesmo tempo: o terror e a admiração. Percebo como isso faz sentido quando meus clientes me dizem que entenderam o sentido que querem dar às suas vidas, que se sentem bem com isso, felizes e mais calmos… “mas ao mesmo tempo Akim, dá um medo isso sabe?”.

    Sim, claro que sei, porque você está fascinado, e fascínio nos coloca diante de uma maravilha que é, ao mesmo tempo, admirável e aterrorizante. A admiração provém da beleza e das capacidades da coisa que é vista, o terror vem pelo fato de que o que é visto está além da compreensão, nos mostra algo além do nosso cotidiano.

    O monstro é um “abridor de portas”, em uma das raízes da palavra encontramos que monstro é “aquele que mostra”, em outra delas que é “aquele que mostra o caminho”. Por isso ele é admirável, ele mostra as maravilhas do universo, nos apresenta à algo desconhecido e, ao mesmo tempo, é aterrorizador pelo fato de nos fazer perceber que há este universo, que o desconhecido existe.

    Trazendo a analogia para o tema do sentido da vida, é monstruoso perceber que a vida, em si, não tem sentido, não chega nem a ser uma tábula em branco para escrevermos, pois isso já diz que ela precisa ser escrita. Não, ela é ainda mais cruel e nos aponta que nem mesmo é necessário um sentido para a vida. Ela mostra aquilo que não desejamos ver: que a existência é tão absurdamente infinita que você pode olhar à ela e apreender aquilo que desejar, ao mesmo tempo o horror de perceber que existir exige esforço.

     

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